A “Feira da Madrugada” talvez precisasse ser chamada de “feiras da madrugada” para melhor expressar o fenômeno que nomeia as diferentes fases do comércio popular no bairro do Brás, no centro da cidade de São Paulo.

Algumas características do comércio no Brás remontam a uma história de mais de 100 anos, mas foi nas últimas três décadas que a região se constituiu como importante centro de comércio popular, com grande expansão a partir dos anos 2000. Neste podcast, o que se chama de Feira da Madrugada é a comercialização de mercadorias durante a madrugada do Brás, por um monte de gente ao mesmo tempo.

Não há informações oficiais sobre o número preciso de pessoas que circulam por ali. Mas, entre conversas com comerciantes e notícias na grande imprensa, estima-se que entre 10 e 20 mil comerciantes trabalhem nas madrugadas das ruas do Brás e que cerca de 100 mil compradores circulem pela feira nos dias de maior movimento, podendo ser muito mais em datas comemorativas.

O primeiro contato do sociólogo Felipe Rangel – hoje professor e pesquisador na Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) – com a Feira aconteceu há 10 anos, em 2014, durante o mestrado, estudando o comércio transnacional de mercadorias. Já no doutorado, Rangel voltou o olhar especificamente para o perfil dos comerciantes atuando na Feira da Madrugada. A partir de observações, entrevistas e reconstrução das trajetórias dessas pessoas, Rangel descreve e analisa as transformações no mercado popular de São Paulo, no livro “A empresarização dos mercados populares: trabalho e formalização excludente”. Essas experiências de pesquisa fizeram crescer o interesse em contar a história da Feira da Madrugada, que merece chegar a públicos mais amplos.

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É com esse objetivo que nasce o podcast “Feira da Madrugada”. Com o apoio da Urban Studies Foundation, Felipe Rangel, em parceria com Luana Motta e a equipe do Laboratório Aberto de Interatividade para a Disseminação do Conhecimento (LAbI-UFSCar), voltou ao Brás e à Feira da Madrugada para contar essa história a partir das memórias e experiências dos próprios trabalhadores. O resultado você confere nos seis episódios do podcast, produzido com o apoio da Rádio UFSCar e do Instituto da Cultura Científica (ICC) da Universidade Federal de São Carlos.

Ao longo dos episódios do podcast, são narrados, em diálogo com as vozes de trabalhadores, os principais eventos que envolveram desde a ocupação das ruas abandonadas durante a madrugada, os conflitos com o poder público e outros setores sociais, até a estabilização desse mercado e as disputas contemporâneas pelo controle desse espaço. Você vai conhecer as histórias do Souza, que veio da Bahia e, há décadas, participa ativamente das lutas dos ambulantes na cidade de São Paulo; do Piauí, que trabalha no comércio popular do Brás desde os anos 1970, assim como a Vânia, que tem no braço a cicatriz que “ganhou” depois de uma das várias vezes em que teve de “correr do rapa”, a Meg, migrante do sertão de Pernambuco  que encontrou no comércio ambulante do Brás uma forma de ganhar a vida, e que agora luta por melhores condições de trabalho nessa atividade. Você acompanha também o Francisco, o Alex, a Sandra e o Guilherme.

Por meio dessas personagens, o podcast recupera o processo de formação e desenvolvimento de um dos maiores mercados informais urbanos do Brasil e da América Latina, lançando luz sobre as lutas cotidianas invisibilizadas dos homens e mulheres que, tentando ganhar a vida, construíram o valor urbano, imobiliário e comercial de um espaço que hoje atrai investimentos de centenas de milhões de reais. Contar essa história ganha maior importância social exatamente no momento atual, em que muitos desses trabalhadores têm enfrentado processos de expulsão nesse mercado, que após ganhar notoriedade e valorização através das atividades comerciais informais, atraiu atenção estatal e de investidores privados, conduzindo a projetos de “modernização” que inviabilizam a permanência dos vendedores mais pobres.

Boa escuta!

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